Conheci seu Alfredo num bar perto do meu trabalho. Ralou por tempos até conseguir se aposentar pelo velho INSS. Daí dizia que ia usufruir sua aposentadoria “fiscalizando a natureza”.
Tempos depois achei seu Alfredo num barzinho perto da casa em que eu morava. Não parecia o meu conhecido anterior. Mal humorado, parecia servir por obrigação, não fazendo a menor questão de ser o gentil dono de bar de antigamente. E diferente do anterior, o novo bar de seu Alfredo “bombou”. Nos finais de semana era difícil encontrar mesas. E o interessante é que o mau humor do Alfredo parecia atrair a clientela. Alguns faziam questão de pedir outra cerveja com a garrava pela metade só para ouvir o esporro do seu Alfredo: “depois diz que está quente. Você nem acabou essa ainda e já quer outra”! Ou então, “vai esperar uma eternidade se quiser mesa” era sempre dito para quem queria aguardar um lugar no bar muito disputado do Alfredo.
Aquilo me intrigava. A vida toda conheci um Alfredo pacato, gentil, servindo num bar que não ia pra frente. Agora, o Alfredo era essa pilha de mau humor quando o negócio parecia ir muito bem. Como eu era um velho conhecido fui tirar minhas dúvidas num dia de calmaria.
Ora, o Alfredo me revelou que o plano era o antigo: se aposentar e ficar lendo um jornal, ver as moças e o tempo passar, sem nenhuma obrigação. Acontece que o Zelão, seu genro, tinha pedido pra ele tomar conta de um bar que não ia ter muito movimento e ele podia ficar na calçada fazendo a palavra cruzada do jornal e olhando as pernas das moças e o tempo caminharem devagar. O que não estava nos planos era que o bar “bombasse” e Alfredo agora estava arrependido de atender o genro, daí o mau humor.
Assim foi que matei a charada. O Zelão era um capitão do jogo do bicho no bairro e levava uma vida de novo rico sem ter como demonstrar “pro fisco” o motivo de ganhar dinheiro sem comprovação de renda. Tomou um empréstimo e abriu dois negócios pra lavar o dinheiro sujo do bicho: uma confeitaria – que vivia às moscas, comandada pela outra filha do Alfredo, sua cunhada – e o bar do Alfredo que além de lavar dinheiro sujo produzia dinheiro limpo na gestão do experiente Alfredo. Sorte do Zelão, azar do Alfredo que gastava a aposentadoria como empregado do genro.
Lembrei-me dessa história quando li que Flávio Bolsonaro lavou mais de um milhão e meio das rachadinhas da Assembleia Legislativa do Rio numa loja de chocolate, num shopping da zona oeste. O dinheiro desviado dos cofres públicos, usando funcionários fantasmas comandados pelo inencontrável e esquivo Queiroz, era lavado na loja de chocolates para parecer legal. Para a defesa da legalidade da receita da loja, Flávio argumentou que vendia panetones para um militar. Foram muitos panetones em vários natais, que o militar era um tarado por panetone. Agora se descobre que tem dinheiro da milícia também proveniente de duas pizzarias milicianas. Se vai acabar em pizza o negócio escuso, ninguém sabe ainda.
Se não tivesse a imunidade parlamentar e presidencial que o Zelão não tinha, e o Queiroz fosse um trabalhador incansável como seu Alfredo, a loja de chocolates poderia estar bombando e o álibi do 01 de ter legalizado o roubo na lavanderia que fabricava chocolates talvez tivesse colado. E ele não teria que meter um habeas corpus antecipado para se defender do dinheiro sujo com manchas de chocolate.
O problema é que o dinheiro da rachadinha parece que pagava um miliciano acusado de matar a Marielle. As pontas das meadas desenroladas vêm do mesmo novelo. E parece que a loja só tinha chocolate amargo. Mas ainda é chocolate e o suspeito é filhote primogênito do presidente. O Queiroz continua sumido. E é natal.
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Esse é conto que esse Natal merece. O ano foi surreal.
desenho: 1000TON